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Admirável Gado Manso
O insigne literato Antônio Bugyja de Souza Britto em seu livro Narrativas Autobiográficas relata: “o gado constituiu no Piauí uma das fontes da sua história, entrecortada de eras progressistas e de períodos decadentes, tão comuns nas estruturas econômicas de cada gente ou região”. Certo, essa influência está perpetuada em lugares, aspectos geográficos, e até mesmo através de algumas pessoas da região, cujos apelidos e, às vezes, até o próprio nome, estão relacionados com a rês, com o gado. Por isso, da mesma forma que Bugyja, nós acreditamos que, “o rebanho foi o exórdio formador dum ciclo de civilização em nosso meio”. Haja vista, ter sido construída no Piauí no final dos anos oitocentos, a segunda Fábrica de Laticínios do Brasil, idealizada pelo visionário Dr. Antônio José de Sampaio, nas antigas Fazendas Nacionais, hoje, Campinas do Piauí: a Fábrica de Laticínios dos Campos. A histórica, poética e inspiradora Oeiras nasceu a partir dos criatórios e currais de gado vacum, além disso, conta a história que os Jesuítas foram possuidores e criadores de imensos rebanhos no centro sul do Piauí.
Declinamos aqui alguns aspectos que ratificam o nosso ponto de vista. A cidade de Picos originou-se da Fazenda Curralinho, que logicamente estava ligada ao rebanho, curral, gado etc. Existe também no município uma localidade chamada Vaca Morta. E o Morro Quebra-pescoço? Elevação montanhosa na localidade de Ipueira, próximo à cidade? Esta tem seu nome vinculado a um fato ocorrido há muito tempo: aconteceu que um vaqueiro em perseguição a uma rês fujona, em plena sexta-feira da paixão, teria despencado precipício a baixo, ocasião em que morreram o vaqueiro, o cavalo e a rês, curiosamente todos com os pescoços quebrados.
Na divisa dos municípios de Bocaina e Sussuapara, existe uma colina chamada de Alto do Gado Manso, e até hoje, tem sido lugar de descanso do gado que curiosamente ainda é criado no sistema semi-ostensivo.
Uma outra colina ficou famosa na memória do povo bocainense: trata-se do Morro Pelado Borges. Segundo crônica local, este era o local predileto do sertanista e desbravador Antônio Borges Marinho Leal, considerado o fundador da Bocaina; de lá, célebre, ele ficava observando e às vezes até contando o rebanho que obrigatoriamente por ali passava rumo ao bebedouro no Rio Guaribas.
Conta-se que este procedimento foi sistematicamente seguido por Raymundo de Souza Britto, seu filho e, portanto, sucessor, figura proba e lendária, um homem extraordinário para os padrões da época. Segundo a crônica local e conforme descreve o próprio Bugyja, “Raymundo chegou a possuir entre os anos de 1815 a 1835 um rebanho estimado em cerca de 15 mil cabeças de gado vacum. Ele contribuiu denodadamente com largos haveres para o movimento de emancipação e independência do Brasil. Além de criador progressista, foi um patriota extremado. Às suas custas armou homens que eram, na maioria, seus empregados e parentes, forneceu animais de sela e de carga, e ainda armamento que mandou comprar na Bahia, sigilosamente, tudo isso em prol das lutas de independência do Brasil, que no Piauí causaram derramamento de sangue. Foi ele uma das pessoas gradas que assinou uma ata de caráter importante (a que se refere ao juramento que prestou, em Oeiras, à Constituição do Império do Brasil no dia 17 de julho de 1824)”.
Voltemos ao gado. Bocaina está entre montanhas, seu próprio nome originou-se de Boqueirão, que significa abertura ou garganta na serra, onde corre um rio, ou quebrada de serra. Pois bem, vejamos: a oeste da cidade, existe a Serra da Cozinheira e as fazendas Malhada e Ramalhete e ao norte o Morro do Carvalho. O nome “Cozinheira” atribui-se a uma vaca que, depois de descer da aludida serra para beber água no Rio Guaribas, no retorno invadia as cozinhas das fazendas por onde passava. Obedecendo ao costume da época, as cozinhas eram abertas e edificadas sob varandas. Da mesma forma que o nome da fazenda “Malhada” está relacionado a uma vaca de estimação pertencente ao casal Nicolau Borges Leal e Mariana Leal de Souza Britto. O mesmo aconteceu com a propriedade “Ramalhete”, que pertencia à mesma família; trata-se de uma alusão a uma junta de bois: “Ramalhete” e “Lavrado” que sempre pastavam em determinada localidade, hoje, conhecida por “Ramalhete”. E o Morro do Carvalho? Consta que, por determinação do seu senhor, um escravo por nome Carvalho, matou uma onça feroz, que dizimava os novilhos e novilhas que pastavam no sopé de uma montanha que fica ao norte da cidade de Bocaina. Em conseqüência deste ato de bravura, ficou caracterizado para sempre o nome Morro do Carvalho em homenagem ao feito heróico do escravo.
A propósito: existe um refrão de uma canção do folclore piauiense, que diz:
“O meu boi morreu,
que será de mim?
manda buscar outro, maninha,
lá no Piauí”.
Crônica extraída do livro “Vozes da Ribeira” publicado pela UPE – União Picoense de Escritores em janeiro de 2008.
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