terça-feira, 18 de agosto de 2009

Fagulhas de História da Colonização de Bocaina- PI

Foto: Firmino Libório Leal
Fugulhas de História da Colonização de Bocaina - PI
Firmino Libório Leal
Jornalista e Escritor

O Instituto Histórico de Oeiras em um dos seus textos introdutórios traz a seguinte afirmação de autoria do insigne literato Férrerr Freitas, sectário do IHO, patriota extremado, e filho da poética, histórica e inspiradora Oeiras, ei-lo: “lá pelos anos sessenta do século XVII, as trilhas sem medo dos vaqueiros românticos da Casa da Torre esbarraram nos Rios Canindé, Guaribas, Itaim e Riacho da Mocha. Hoje, região de Oeiras, Picos e Bocaina no Estado do Piauí. O mais audaz desses vaqueiros foi o patriarca Domingos Afonso Mafrense, um português de Mafra, chamado também pela bravura, Domingos Afonso Sertão. É por isso que ainda hoje quem nessa terra nasce se diz mafrense, apelido primeiro do bravo sertanista desbravador”.

“Em 1696 o patriarca criou em terras da fazenda primitiva, uma Freguesia com capela dedicada a Nossa Senhora da Vitória. Seu território foi desmembrado da Freguesia pernambucana de Cabrobó, jurisdição eclesiástica a que estava então sujeito”.

“Por carta Régia de 30 de junho de 1712, o povoado foi elevado à categoria de Vila, conservando o nome. Criada a Capitania de São José do Piauhy, independente do Maranhão, por carta Régia 29 de julho de 1758, a vila da Mocha foi designada para sede do novo Governo com denominação de Oeiras, em homenagem ao Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo Conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal”.


Em 13 de maio de 1732 aportava na localidade “Boqueirão”, hoje sede do município de Bocaina/PI, o patriarca português Antônio Borges Leal Marinho. Em sua comitiva trouxe sua mulher por nome “Rosa”, um grupo de 60 escravos, várias famílias de agregados, um razoável rebanho de animais, sendo a maioria gado vacum e cavalos. Vieram também em sua companhia os seus irmãos: Albino Borges Leal Marinho, Francisco Borges Leal Marinho e Antônia Borges Leal Marinho. Naquela data marcante Borges Marinho escolheu um escravo de sua confiança para cumprir a missão de verificar a montante do cristalino regato que banhava aquelas paragens. Após percorrer o rio até sua nascente, ao regresso o escravo deu a boa notícia ao seu senhor: a existência de água em abundância e várzeas de terras férteis. Naquele instante o sertanista desbravador bateu com a coronha do seu Bacamarte naquele chão sagrado e bradou: “cheguei à terra prometida, aqui hei de ficar até a morte”.

Borges Marinho após conseguir a concessão de datas (sesmarias), ou seja, a posse das terras ora a serem desbravadas, dividiu-as em várias fazendas e as denominou: Arrodeador, Guaribas, Riachão e Bocaina. Borges Marinho era pessoa muito religiosa, pois vinha de uma família portuguesa com essa tradição, por isso, procurou logo construir uma capela. Assim, após sua chegada deu-se início a construção de um templo religioso, cuja construção demorou vários anos, pois o seu termino deu-se em 1754, ano em que a capela foi sagrada pelo jesuíta João Sampaio, mais precisamente no dia 8 de dezembro daquele ano. Na mesma ocasião ocorreu o batismo de “Rosa” como o nome de Maria da Conceição Borges Leal, em homenagem à santa padroeira a Virgem Nossa Senhora da Conceição, cuja imagem fora doada pela irmã de Borges Marinho, a Srta. Antônia Borges Leal Marinho, que doou também o sino da capela. Nesta mesma data celebrou-se o casamento do patriarca com “Rosa”, agora Maria da Conceição Borges Leal, pois o mesmo vivia maritalmente com ela há vários anos. Voltemos aos irmãos de Borges Marinho. Antônia Borges Leal Marinho fixou residência na localidade Ipueira e ali instalou uma grande fazenda de gado. Albino Borges Leal Marinho fixou residência no sertão dos Inhamuns, hoje sede do município de Tauá/CE, onde também instalou uma fazenda para criatório de gado vacum. Francisco Borges Leal Marinho fixou sua residência mais ao norte, onde hoje se situa a sede do município de Buriti dos Lopes/PI.

Antônio Borges Leal Marinho deixara em Portugal um irmão menor por nome Gonçalo Borges Leal Marinho e seus pais que eram fidalgos, ou melhor, pertenciam à nobreza portuguesa, fazendo parte da grande família “Borges Leal Marinho”. Uma família de militares, ligada à Coroa e entremeada com os Britto. São pais de Antônio, Albino Francisco, Antônia e Gonçalo: O tenente Coronel da Arma de Cavalaria do Exército Português, João Borges Leal Marinho e Anna de Souza Britto.

O jornalista, e escritor Antônio Bugyja de Souza Britto no seu livro Narrativas Autobiográficas revela: “foi comum a vinda de imigrantes portugueses para São José do Piauhy, logo após seu primeiro governador João Pereira Caldas, a 20 de dezembro de 1759. Assim que assumira a função prestara ao Reino boas informações a respeito da terra, tais como: clima, salubridade, riquezas vegetais e possíveis minerais. De forma que apareceram na Península muitos interessados em se estabelecerem na recém-criada capitania. São José do Piauhy já tinha uma tradição de região apropriada para o criatório de gado e cavalos, pois que um dos sertanistas, Domingos Afonso Mafrense e seu irmão Julião Afonso Serra, bem como alguns membros da Ordem dos jesuítas tinham sido possuidores de imensos rebanhos, provando deste modo, a excelência das pastagens”.

Os relevantes serviços prestados pelo patriarca João Borges Leal Marinho ao Exército português, veio culminar com a sua aposentadoria, além de ter auferido a concessão de terras (sesmarias) como gratidão pela lealdade dedicada ao Rei. A saudade dos filhos, juntamente com as boas referências da região que chegava do além-mar, fez com que João ou coronel Borges Marinho como era conhecido, sua mulher Anna e o seu filho Gonçalo migrassem para o Brasil. Chegaram ao litoral baiano. Da Bahia ao sertão piauiense o trajeto foi feito a cavalo. Chegaram em Oeiras em fins de 1760, portanto 6 anos após a sagração da capela de Bocaina construída por Antônio Borges Leal Marinho e sagrada pelo jesuíta João Sampaio. O coronel João Borges Leal Marinho encontrou-se com seus filhos; Antônio, Albino, Francisco e Antônia, que anos antes vieram para o Brasil. De Oeiras a Patrocínio (Hoje Pio IX), a área somava aproximadamente trezentos quilômetros, cerca de cinquenta léguas e tudo pertencia à família Borges Marinho. Num cálculo pessimista, nos dias de hoje, a quantidade de terra orçava por mais de cem mil hectares.

Gonçalo, agora rapagão, assumiu a fazenda Curralinho (Hoje sede do município de Picos/PI) e casou-se com Antônia Maria de Souza. Os anos se passaram e veio o desaparecimento do Cel. Marinho e esposa, bem como o de Antônio e esposa. Da mesma forma de Gonçalo e sua mulher Antônia Maria de Souza, passando a Fazenda Curralinho pertencer ao sobrinho da família, Félix Borges Leal, homem provido de raro senso administrativo. Aumentou significativamente a propriedade, com ampliação nos negócios de criação de gado e compra e venda de tropas de animais de sela e carga. Tanto que surgiu nos arredores da sede da fazenda uma Ermida construída sob seus auspícios, (hoje Capela Sagrado Coração e Jesus) e uma vila com satisfatório casario, (antiga Rua Velha). Surgia então, a pujante, próspera e altaneira, Picos. Fato que, Félix Borges Leal é merecidamente considerado por muitos, fundador da cidade. Então, Picos nasceu a partir de Bocaina.

O insigne literato e eminente professor, escritor e historiador Fonseca Neto em notável artigo jornalístico relata: “na perspectiva de longo prazo, a ocupação e adensamento da povoação principal da Bocaina se dá mesmo com a fixação de Borges Marinho e seus agregados a partir da ereção da capela do lugar, a quem o fundador doou significado patrimônio territorial. Nos anos seguintes desde 1754, a povoação da Bocaina, então sob a jurisdição civil e eclesiástica de Oeiras, é a que mais prosperará em todo vale do Guaribas, sendo mesma a principal referência da vida social da sub-região. Mas uma outra fazenda de gado do dito vale, cresce muito nos anos que se avizinham aos meados do século XIX: é a fazenda Curralinho, que em 1851 se tornava à cabeça da Freguesia e em 1855 em município, com a designação de Picos. O novo município prosperava, absorvendo as energias e forças vitais da mesoregião e, assim, induzindo a já então secular povoação da Bocaina a relativo declínio. Desaparecido o fundador de Bocaina, consta que um filho seu, Raimundo de Souza Britto, continuou como referência nos negócios da família”.

Crônica publicada no Jornal de Picos,
Jornal Folha de Picos e no livro Antologia Upeana. Obra publicada pela União Picoense de Escritores em fevereiro de 2005.