sábado, 13 de fevereiro de 2010

Ascensão do Jaburu em Santo Antônio de Lisboa

Foto:Acervo disponível na Web
 
Vista de longe a bucólica cidade de Santo Antônio de Lisboa no Piauí, mais parece um presépio vivo encravado em pleno sertão, em razão da bela imagem que nos é apresentada pelo seu relevo, seja pela exuberância reinante na paisagem, ou pela límpida abobada celeste vista no firmamento, tornando um ambiente, calmo que nos transmite paz e nos remete a serenidade.

Além disso, a cidade ostenta o honroso titulo de Capital Nacional do Caju, pois, o município produz, exporta e industrializa grandes safras de caju, dispondo de fábricas de sucos, cajuína e industrialização da castanha, sendo também um grande produtor de mel de abelha de excelente qualidade e aceitação. Mas não é só como Capital Nacional do Caju que Santo Antônio se destaca. A cidade também figura como local onde surgiu o “JABURU”. Famoso acontecimento edule, social e de confraternização, o qual prima pela camaradagem, a amizade.

O "Jaburu" tem características próprias, ou seja: é uma reunião para homens, porém, quando raramente acontece a participação da mulher, a mesma é tratada de maneira especial, pois num Jaburu que se presa, a mulher é destaque, já que todas as tarefas e atribuições inerentes às atividades do acontecimento, até o cozinhar, são realizadas pelos homens, portanto, a mulher é convidada especial. Uma outra particularidade do Jaburu é que preferencialmente este encontro é realizado em uma chácara, numa roça, numa fazenda ou numa propriedade rural.

Como sabemos, Jaburu e uma ave da família das ciconiídeas, as quais, frequentam rios e lagoas, preferindo as áreas pantanosas e alagadiças, se alimentam de peixes e outros animais aquáticos, vivem em bandos e constroem seus ninhos coletivamente. Então o que uma ave pantaneira tem a ver com um acontecimento corriqueiro de uma cidade do semi-árido nordestino? Pois bem, Santo Antônio de Lisboa é banhada pelo Rio Riação, que nos períodos de inverno propicia a todos o refrigério de suas águas outrora cristalina e piscosa. Além disso, entre as cidades de Santo Antônio e Bocaina existe a famosa Lagoa do Cumbuco, extraordinário manancial natural que abriga até hoje, as mais variadas espécies de pássaros, dentre eles: marrecos, patos selvagens, garças, paturis, mergulhões, socós, maguaris e logicamente jaburus. Este lago natural dista apenas uma légua das sedes destes municípios, já que a distancia entre as duas cidades irmãs é de apenas 12 quilômetros.

Em agradável tarde do dia 22 de janeiro do corrente ano pisei novamente em solo lisboense. Capitaneado pelo parente, o médico veterinário Jonnes Barros. Lá chegando, fui recebido fraternalmente, a principio, por Assis Brito e Lucílio Cipriano, depois se juntaram ao grupo vários irmãos conterrâneos e aparentados e que fazem parte da azáfama local. Todos numa prosa agradável tornaram aquele encontro, um momento de convivência fraterna e feliz. Foi neste ambiente, que me deparei com o Jaburu. Visto que fui logo convidado a tomar parte de um, fato que aguçou o meu faro de jornalista interiorano.

Curioso, questionei aquela seleta plateia, o que seria, e em que consistia o Jaburu? Foi quando fui interpelado por João da Barba, um dos nossos interlocutores, que atento me ouvia. Em breve relato João da Barba afirmou que o Jaburu nasceu em Santo Antônio de Lisboa, Piauí no mês de dezembro do recuado ano de 1974. Segundo o mesmo, tudo começou com a peraltice de quatro companheiros: Essias, Pité, João da Barba e Valdemar. Sob a liderança de Essias, era corriqueiro o grupo sair para realizarem caçadas pela zona rural de Santo Antônio. Quando a caçada era fraca em consequência da escassez das aves migratórias, o jeito era apelar para a matança de um ou outro Jaburu desgarrado do rebanho. Mesmo com pouca carne, amenizava em parte a fome dos peraltas caçadores.

Acontece, que nem sempre haviam jaburus para serem abatidos, daí, acontecia um fato curioso: o jeito era apelar e sempre aparecia uma ou duas galinhas, as quais, famintas procuravam comida nos arredores das propriedades rurais, assim eram facilmente e sorrateiramente abatidas pelo grupo. Quando alguém ou os proprietários davam conta do sumiço das galinhas interpelavam os celebres caçadores sobre o acontecido, eles tinham sempre uma saída lógica: ”nós estávamos comendo era um Jaburu”. Assim surgiu o Jaburu. A principio uma brincadeira, um folguedo de quatro amigos. O fato se popularizou tanto, que se tornou um acontecimento social da mesorregião de Picos.

No começo, o Jaburu era feito apenas com carne de aves, principalmente, galinha ou angola (capote), hoje, se utiliza carnes nobres como a picanha e o contrafilé, buchada, panelada, peixe, baião de dois, farofa e outras iguarias da rica culinária nordestina. Talvez a substituição dos ingredientes tenha acontecido em razão da proibição das caçadas pelos órgãos ambientais. É mister relatarmos nesse texto mal alinhavado, que em outras regiões do Brasil o Jaburu é similar a um “galinhaço” (São Paulo), “galinhada” (Minas Gerais), “barreado” (Paraná), “churrasqueada” (Rio Grande do Sul), moqueca (Espírito Santo), “feijoada” (Rio de Janeiro) e até “ribusteio” em alguns lugares do sertão brasileiro.

A propósito: no auge da narrativa de João da Barba, Jonnes Barros o questionou sobre o tamanho do Jaburu e ele prontamente respondeu: certa feita o Essias pisou na ponta de uma das asas de um Jaburu e eu levantei a outra ponta, esticando a outra extremidade da asa, mediu dois metro e vinte centímetros. Por via das dúvidas Jonnes argumentou: não rapaz, vamos deixar pelo menos com dois metros! Todos os presentes riram unânimes. João da Barba é uma figura folclórica, fiel ao lugar em que vive. Ele me contou ainda o seguinte: que em Santo Antônio de Lisboa, Coca-Cola tamanho família é conhecida por “Bigação”.

Ninguém se atreve a pedir a essência gaseificada, pelo verdadeiro nome, sempre pedem: dá-me uma “Bigação”. Tudo isso porque na cidade existe um sujeito que atende pela alcunha de “Bigaça”. Dizem as más línguas que “Bigaça” certa ocasião e em detrimento de uma aposta, bebeu de uma só vez três Coca-Colas tamanho família e de quebra, ainda pediu uma última como tira-gosto. Daí a razão porque em Santo Antônio de Lisboa, no Piauí, a partir de então, não se utiliza mais o verdadeiro nome do famoso refrigerante e usa-se somente “Bigação” em homenagem ao inusitado feito do famoso “BIGAÇA”.

Como afirmei no inicio deste modesto arremedo de crônica, a bem administrada cidade de Santo Antônio de Lisboa ostenta o título de Capital Nacional do Caju, porém, poderia naturalmente ser chamada de cidade sorriso, cidade simpatia, cidade aprazível, tudo isso, em consequência do seu laborioso, hospitaleiro e simpático povo. Foi uma satisfação visitar e estar neste recanto bonito, alegre e feliz do rincão piauiense...